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breve intervalo

E fez da vida ao fim…

Leituras: Março 2024

Março 31, 2024

Este foi um mês muito lento em leituras. Reli o "Persuasão" da Jane Austen, experiência já descrita, e presentemente estou prestes a terminar o "Wolf Solent" do John Cowper Powys, um romance de fôlego com mais de 600 páginas. Ainda não tinha lido John Cowper Powys, esta vontade veio há alguns anos após alguns ensaios de George Steiner, motivado pelos largos elogios e da admiração de Henri Miller pela obra e escritor. Se a mente não me engana ambos destacam o seu "Autobiografia", gosto particularmente de biografias e portanto tenho a aquisição em inglês em vista antes se esgoste. Entendendo-os agora aos dois espero terminar esta grande e lenta leitura durante esta semana. Foi assim Março em leituras, óptimo porque mais lento e  interior, diferente da aceleração vertiginosa assistida online.

Para Abril há umas três leituras já programadas e terminando "Wolf Solent" a ver se recupero o meu ritmo normal, porque Powys foi uma chicotada no meu pensar durante a leitura, falo depois destas peculiaridades quando o terminar.

Persuasão: Jane Austen Revisitada

Março 08, 2024

Até hoje li três romances de Jane Austen e embora considere "Mansfield Park" o mais bem estruturado, "Persuasão" conquistou um lugar especial por alguns motivos a destacar. Há 9 anos percebi que o havia lido de forma leviana, sem lhe dar o devido valor, e confirmei-o na sua releitura.

Os romances de Jane Austen são conhecidos pela sua ironia aplicada aos temas sociais. No entanto em "Persuasão" achei esta característica mais subtil e arguta do que a mais óbvia, diria fácil, de "Orgulho e Preconceito". Em comparação com Elizabeth Bennet em "Orgulho e Preconceito", a Anne Elliot de "Persuasão" é uma protagonista mais madura e introspectiva. Além de reflectir sobre suas escolhas passadas mostra um crescimento pessoal significativo ao longo do romance. Fanny Price em "Mansfield Park" dá-nos um belo reconto da Cinderela, possui um arco mais semelhante ao de Anne, mas sendo mais nova diria-a ficar ainda aquém da vida. Anne Elliot de alguma forma transpõe uma barreira e coloca-se numa posição onde a felicidade não é um lugar confortável ou feliz.

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“I hate to hear you talk about all women as if they were fine ladies instead of rational creatures. None of us want to be in calm waters all our lives.”

Em "Orgulho e Preconceito" e "Mansfield Park" notei uma diversidade de personagens secundárias a desempenharem papéis significativos na trama. Por sua vez "Persuasão" tende a fixar-se na jornada e desenvolvimento das personagens principais. As personagens secundárias servem para complementar a narrativa, adicionam à contenção do romance até ao seu desenlace final.

Na leitura de "Mansfield Park" vi um romance mais direccionado para a ruralidade. A acção centra-se numa propriedade rural inglesa. "Persuasão" é um livro de visões mais amplas, de exterior. Destaca-se pelas cenas costeiras e atmosfera marítima. A ambientação à beira-mar contribui para o tom melancólico e romântico do livro e, à semelhança de "Mansfield Park", já traz algo da posterior Virgínia Woolf com ele, características de Austen que não identifico com facilidade em "Orgulho e Preconceito".

"Orgulho e Preconceito" atenta nas primeiras impressões, na superação de preconceitos iniciais. Assuntos por ventura mais apelativos para quem ainda vive fases mais precoces da vida, onde essas mesmas situações são as mais determinantes da vivência. "Persuasão" destaca-se pela análise da segunda oportunidade, é um livro de espera. O romance explora como Anne Elliot e o Capitão Wentworth se reencontram e têm a oportunidade de reavivar um romance deixado de lado no passado por interferências, a persuasão e o ser persuadido que interrompem um vínculo natural para aqueles seres.

A maneira como Jane Austen descreve as emoções das personagens, as complexidades dos seus relacionamentos ressoa comigo enquanto leitor. Muitas vezes evoca uma sensação de nostalgia ou reflexão sobre as minhas próprias experiências, que, não sendo semelhantes, entendem-se em espaços comuns. "Persuasão" é um livro de uma maturidade que me exigia mais vida há 9 anos. Tem essa capacidade rara de evocar sentimentos indefiníveis, como uma espécie de melancolia feliz ou uma agridoce agonia. É um livro onde pela mestria da escrita as peças não existem, elas já se misturaram completamente e o romance propõe-se à vida como ela é.

Quero ler os livros de Jane Austen que ainda não li e constatar no todo a versatilidade desta mulher. Em três livros lidos, todos eles são distintos e propostas literárias interessantes. Curiosamente para mim, o favorito será o "Mansfield Park" a par com "Persuasão", não consigo ainda definir e, por fim, o aclamado "Orgulho e Preconceito", favorito para a maioria talvez pela tangibilidade na ironia e comédia, concreto em ter uma história. "Persuasão" é um livro de tremura em minúsculas fímbrias, dir-se-ia um livro de final feliz, mas isso é redutor, já falei disso no post O paradoxo da escrita simples, tão redutor como dizer: "Jane Austen limitou-se a escrever romances de água com açúcar."

Sobre

21aafb00b84d1f9249b0b9a10481d2f3.pngO blog enquanto página pessoal tem como objectivo trazer um registo da vida que se insurge à correria do dia a dia, intervalos no intervalo. O "breve intervalo" surge como pausa, reflexão e memória do não empregue nos meus cadernos. Ao fim, essa outra vida trivial: a das opiniões, dos passeios, do não se querer esquecer e manter em permanente rascunho.

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