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breve intervalo

E fez da vida ao fim…

Da Não Ficção Enquanto Ficção

Agosto 05, 2023

Num exercício de esforço para tentar manter o blog lembrei-me de falar de uma surpresa literária do ano passado. O título deste texto seria "Rilke mas não rilkou", entretanto algo mais lato surgiu-me. Não serão só as cartas do Rainer Maria Rilke ao jovem Franz Xaver Kappus, o pequeno poeta, a sofrer por certo com erros de percepção ou magias editoriais.

Li pela primeira vez o "Letters to a Young Poet" em 2019 num mês de verão diria, atiro para Julho. Na altura fiquei fascinado pelas cartas do Rilke ao jovem rapaz. Não eram estas só uma espécie de manual para a arte, para estar na vida. Eram uma luz numa mente (a minha) naturalmente com tendências para a escuridão. Enquanto lia o livro o fascínio levou-me a partilhar no instagram o quão maravilhosa estava a ser a experiência de leitura e algo estranho aconteceu. Não estando eu habituado, porque jamais me habituarei, à maluquice das massas humanas nas redes sociais, eis alguém a ver-me ler o livro, digo nas massas mas na verdade foi só uma pessoa, entra em contacto comigo e diz ir lê-lo comigo. Petrifiquei e pensei, comigo? Como é isto de se ler assim comigo? Só aceitei, sorri acenei e continuei a ler como sempre li, sozinho. Terminei o livro e a magia permanecia. Estava encantado pelas palavras de Rilke, da esperança entregue, onde de alguma forma me era dito nada ser vão, mesmo a escuridão, solidão.

Passaram meses e soube de uma nova edição do livro onde estariam incluídas as cartas do jovem poeta. Não só as cartas do Franz Kappus, mas também uma suposta carta apagada. Ainda hoje não sei porque as pessoas se impigem em leituras alheias. Solidão talvez, artes menos óbvias de insurgimento na vida alheia. Brincam com os livros e as leituras não como as crianças brincam, antes adultos falhos no crescer. Se é belo existirem crianças já crescidas, adultos pueris surgem-me assustadores. No ano passado lá comprei esta nova edição das cartas. Achava estar a adquirir um livro onde a entrega do encantamento seria exponencial, isto pela desculpa da reciprocidade da correspondência. Já Eça nos dizia falharmos a vida pensada com a imaginação. Se achamos algo invarialmente assim a vida dará algo de distinto, e a releitura não correu como o esperado. Cartas a um Jovem Poeta

Eis Junho de 2022 e eu a reler a nova edição (visível na fotografia deste texto). À medida da leitura articulava as cartas do jovem rapaz com as de Rilke e começo a entender sentidos anteriormente vedados pela falta das cartas do rapaz. As cartas do Rilke não perderam valor, antes as do rapaz não acrescentaram algo ao dito pelo poeta. Diminuiram até a amplitude de algumas ideias antes não direccionadas. Kappus não me pareceu um jovem particularmente inocente, ou melhor, desinteressadamente interessado em Rilke. Por consequência a perda da amplitude vaga e magia das respostas de Rilke agora no particular deste rapaz ganhou em realidade a leitura. Se ambas as edições entregam ao leitor não ficção, numa há um quimerismo ficcional e na outra este é preenchido por um lugar mais telúrico. Rilke não escrevia para uma espécie de versão imatura de si mesmo, aqui percebemos o importante. O rapaz ajuda-nos a situar Rilke no tempo, no espaço e atribui uma fricção real aos textos da edição sem as cartas do jovem.

O "Letters to a Young Poet" agrega admiração de nomes vários ao longo dos tempos: Marylin Monroe, Konrad Zuse, Dustin Hoffman ou até mesmo a tatuagem de Lady Gaga. Os editores sabiam nesta nova edição um outro livro. Um outro livro que Franz Kappus proporcionou e assim, de forma querida, mantiveram as cartas de Rilke agregadas. Quem quiser ler as do rapaz só tem de ir alternando entre páginas e intercalando. Uma experiência mais real, entendedora do poeta e sem negar a magia da unilateralidade das cartas de Rilke sozinhas, enquanto unidade não ficional ficcionada.

Sobre

21aafb00b84d1f9249b0b9a10481d2f3.pngO blog enquanto página pessoal tem como objectivo trazer um registo da vida que se insurge à correria do dia a dia, intervalos no intervalo. O "breve intervalo" surge como pausa, reflexão e memória do não empregue nos meus cadernos. Ao fim, essa outra vida trivial: a das opiniões, dos passeios, do não se querer esquecer e manter em permanente rascunho.

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